quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Wikileaks

Bem, retorno hoje com uma postagem bem curta.
            Não sou particularmente muito fã do portal Wikileaks. Acho que as informações que ele tem divulgado não são tão “bombásticas”. Quando muito, representam evidências de fatos que já eram de conhecimento geral. Quer dizer, acho que todos já sabiam que os EUA são um Estado imperialista e com táticas predatórias em todo o mundo. Sendo assim, quase tudo que o Wikileaks divulgou é mera minúcia diplomática do desenrolar dessa estrutura americana que claramente está disposta a tudo (desde apoiar regimes genocidas e ditatoriais até torturar presos políticos em prisões internacionais) para manter, na esfera doméstica, o “american’s way of life”.     
            Apesar de não achar essa iniciativa do site Wikileaks tão significativa quanto alguns, acho que a prisão do Assange (jornalista líder do Wikileaks) foi algo repugnante. Sendo assim, estou integrando a corrente que luta pela libertação desse ousado senhor.
           O Professor Maurício Porto criou um selo para ser compartilhado que vou colocar aqui a baixo. Tanto o Blog do Prof. Maurício Porto quanto o Blog do Tsavkko - The Angry Brazilian estão divulgando a campanha também. O Blog Bidê Brasil da minha amiga Luka tem mais informações sobre a prisão do Assange e sobre o ato pela sua libertação, confira aqui.   


            Peço então que, aqueles que concordarem, assinem a petição pela libertação do Assange. Mas acho que, antes de tudo, esse incidente deve servir para refletirmos sobre um ponto: Por que o Estado precisa “guardar segredos” de seus cidadãos? O que de tão errado se está fazendo que precisa ser protegido do conhecimento público? Se a nossa forma de vida é, ao menos em parte, sustentada por práticas condenáveis será que essa forma de vida não é em si condenável?
           
           
            Parece-me que esse episódio pode ter ao menos esse significado, nos fazer pensar sobre, por que um ente “democrático” precisa esconder parte de suas atividades?
            Feito esse pequeno post em decorrência do momento atual; no próximo post retomo o raciocínio que iniciei em A Irracionalidade de Estado e devo falar um pouco da seletividade do sistema penal.
         Se quiserem ler algo de alguém que acompanhou melhor os documentos divulgados pelo Wikileaks, recomendo a leitura dos posts do meu amigo Hugo em seu blog O Descurvo.     


Abraço a todas e todos
Ivan Sampaio  

domingo, 5 de dezembro de 2010

A Irracionalidade de Estado

Inicio hoje pedindo desculpas pela demora em retomar as postagens aqui. Agora que a tormenta de final de ano já foi minimamente amenizada consigo dedicar uma parte do meu tempo para esse blog novamente.
Bem, nesses últimos dias temos visto a cobertura intensa da mídia sobre a invasão do complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Passei a semana passada inteira frustrado por não conseguir tempo para organizar minhas idéias sobre o ocorrido e postá-las aqui. Agora que finalmente pude fazê-lo, percebi que não quero comentar o caso do Rio. Há um post no Blog do Brasil & Desenvolvimento intitulado O Estado de polícia na sociedade de classes  escrito pelo João Telésforo que representa muito do que penso sobre as atitudes da polícia no Complexo do Alemão.    
Dessa maneira não entro aqui no mérito de há abusos ou não há abusos, a população local apóia a polícia ou não, acredito que isso já foi muito tratado em outros blogs (mencionarei alguns ao final desse post). Não vou comentar as notícias e sua veracidade, me focarei então um pouco nos objetivos dessa operação.   
            Grosso modo, toda essa operação foi justificada por duas bandeiras: combate ao tráfico de entorpecentes e combate ao poder paralelo. Meu ponto é que, para alcanças essas finalidades, a operação que vemos é, no mínimo, inútil. Ela não tem a capacidade de por fim ao tráfico ou mesmo minar o poder paralelo, muito pelo contrário, ela corrobora para o fortalecimento desses dois “males” que propõe combater.
            Para percebermos isso é preciso partir de uma constatação inicial concernente ao paradigma atual de razão de Estado. Não é segredo que hoje vivemos dentro de uma lógica de estado liberal, dito de forma muito genérica, trata-se de orientar a veredicção política através da lógica do mercado, ou seja, se Anália a intervenção política Estatal com critérios econômico. Nesse sentido, uma política, dentro dessa razão de Estado liberal, é julgada como funcional ou não por meio de critérios “mercadológicos” de eficiência econômica. Não vou aqui esboçar minhas críticas a essa idéia, mas quero iniciar apontando para o fato de que uma política “criminógena” sobre as drogas vai na contra mão dessa razão de Estado liberal.
            Vejamos melhor isso. O trafico de drogas, nada mais é do que uma relação econômica, mas de que tipo de relação econômica? Bem, trata-se de uma atividade que trabalha com um insumo de primeira necessidade para o usuário. Dessa forma, lidamos com um mercado consumidor de consumo preponderantemente inelástico. Isso significa que independentemente do preço do produto o consumo se mantém ou sofre alterações muito insipientes.
            Pois bem, quando se adota uma política de policiamento extensivo ou de combate direto ao tráfico (como no caso Rio) o que se processa é um significativo aumento do risco nessa atividade econômica. Nesse caso, o aumento do risco ocasiona o aumento do peço da droga, entretanto, por se tratar de insumo de consumo inelástico esse aumento não reduz o consumo. Por outro lado, o aumento significativo do risco finda por eliminar os traficantes menores e mantém apenas aqueles que tem capital suficiente para suportar esse elevado risco e manter a atividade lucrativa compensando suas perdas pelo alto volume de negócios. Dessa maneira o que vemos é uma concentração do tráfico formando uma situação econômica de oligopólio. O Risco elevado não elimina atividade econômica que lida com mercado de consumo preponderantemente inelástico. Assim como é impossível criar uma maquina de repressão penal tão forte que elimine toda forma de entorpecentes[1].      
            Diante disso, o tráfico oligopolizado ganha cada vez mais organicidade e passa a ter condições de formular, cada vez mais elaboradas, “estratégias de mercado”. Um exemplo pode ser a ação do tráfico ao vender entorpecentes com um preço reduzido para novos consumidores enquanto onera os compradores habituais para que arquem com os custos dessa política elevando os custos da droga para esses últimos. O que quero salientar é que estratégias dessa complexidade só passam a ser possíveis nesse cenário de oligopólio do trafico.
            Além disso, essa política de combate policial ao tráfico gera um paulatino aumento na violência. Primeiro por que a alta dos preços da droga pode gerar uma criminalidade difusa de crimes patrimoniais para manter o vício dos usuários habituais. Segundo por que, quanto maiores os investimentos do tráfico, maior a demanda dos traficantes em medidas que assegurem esses investimentos. Essas medidas vão desde corrupção das instituições estatais até o investimento em meios que fortaleçam a presença do tráfico na construção de um poder paralelo, que se pauta por essas relações de fato não comportadas dentro da normatividade Estatal.
            Assim, chegamos ao meu segundo ponto, medidas de intervenção policial, não enfraquecem o dito “poder paralelo”. Em verdade, essa política fortalece o tráfico e sua capacidade de assegurar essas “instituições” paralelas.
            Mas o que quero destacar sobre essa estrutura de poder paralelo é que, ao contrário do que se pensa, essa forma de poder para-estatal não se limita a uma estrutura armada de traficantes. Esse “poder” não está no tráfico[2], essas relações de poder se fundam em necessidades que ou não são atendidas ou não são comportadas dentro da estrutura estatal. Sendo assim, o tráfico é apenas uma dessas estruturas fora do Estado que percebeu como se utilizar dessas necessidades não atendidas pelo Estado. No mais, quanto maior a organização do tráfico e quanto mais oligopolizada a sua atividade, mais ele consegue se utilizar dessas estruturas de poder em seu benefício.
            Em síntese, as estruturas precárias e irregulares das comunidades em grandes cidades como o Rio é o que gera as demandas (negligenciadas pelo Estado) que o tráfico manejou suprir de forma a atender seus próprios interesses.
            Sendo assim, acredito que podemos concluir que essa lógica de combate puramente criminal ao tráfico é absolutamente inútil para as finalidades que afirma perseguir. Essa política só fortalece o tráfico, provocando a concentração econômica do setor em oligopólios, que passam a ter meios mais elaborados de manter sua atividade e de intervir nos pontos onde o Estado se ausenta. Esse investimento do tráfico na omissão do Estado se funda na busca por assegurar os investimentos do próprio tráfico.
            È dessa forma que vemos que, partindo de uma análise liberal de razão de Estado, políticas de ocupação militar e policial de locais como o Complexo do Alemão são muito mais irracionais do que qualquer outra coisa. Aparentemente, servem apenas como estrutura de espetáculo para que se imagine que algo está sendo feito para solucionar os problemas atinentes ao tráfico de entorpecentes. A pergunta que resta é: ao que serve essa política criminal, se vista dentro do contexto da razão de Estado liberal ela não se justifica? Na próxima postagem buscarei explorar mais essa pergunta. 
            Sobre o caso do Rio em especial recomendo a leitura de alguns outros posts muito bons. Primeiro um post extraordinário, que já citei no início do texto, no blog Brasil & Desenvolvimento chamado O Estado de polícia na sociedade de classes do João Telésforo.  Além disso, um post, também muito bom, do Hugo: A violência para muito além do Rio de Janeiro e também Ainda O Rio: Padilha e a favela eterna. Recomendo ainda a leitura do Jornal Brasil de Fato que fez uma boa cobertura sobre as invasões do Complexo do Alemão.   
            Bem, por hoje é isso. Tentarei agora manter o ritmo das postagens.
Abraço a todas e todos
Ivan Sampaio

P.s: gostaria apenas de fazer uma ressalva. De forma geral não gosto dessa análise puramente “mercadológica” liberal, mas acredito que nesse caso ela seja capaz de mostrar muito sobre a forma que o Estado tem atuado e as incoerências e irracionalidade de sua política em relação às drogas.     
P.p.s: Desculpem a postagem mais extensa, mas depois de uma semana sem escrever nada não consegui ser mais sintético.  


[1] Até hoje, mesmo países com orçamentos de segurança infinitamente maiores que o nosso e com polícias muito mais capacitadas são incapazes de realizar essa tarefa.
[2] Em verdade o poder não é uma entidade, não está em nenhum lugar ele apenas se manifesta por meio de relações. 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Postagem administrativa


            Escrevo hoje apenas para comunicar que ficarei essa semana sem fazer novas postagens nesse blog. Peço desculpas, mas nesse final de ano estou muito atarefado, em espacial com tarefas relativas à faculdade. Então devo voltar a escrever apenas por volta do dia 02 de dezembro.
            Para quem ainda não leu, veja minha última postagem: O ensinar a técnica e a alienação da prática. Confira e me fale o que achou. Respondo todos os comentários quando esse turbilhão passar. 
             Nessa semana que não escreverei recomendo aqui alguns blogs que acho interessantes. O blog de um grande amigo meu, o Gyo. Pedra no Curral. Tem apenas um post até agora, mas vale apena conferir.
            O blog de outro amigo, o Hugo: O Descurvo. Tenho certeza que ele manterá o ritmo das postagens mesmo nesse final de ano conturbado.
            O blog da Luka, amiga do jornalismo da PUC/SP. O Bidê Brasil.   
            Por fim o blog Brasil e Desenvolvimento de um coletivo extraordinário da UNB.   
            Agradeço a todos que vem acompanhado o que tenho escrito aqui. Quando estiver de férias da PUC/SP acredito que poderei me dedicar um pouco mais a esse espaço.

Abraço a todas e todos!   
Ivan Sampaio      

domingo, 21 de novembro de 2010

O ensinar a técnica e a alienação da prática

Volto hoje a publicar aqui, mas mudei um pouco o que tinha me proposto no post anterior. Não falarei mais sobre as peculiaridades da alienação no ensino jurídico. Vou aqui tentar concluir os pensamentos que já desenvolvi nos posts: A alienação no meio estudantil e A alienação da universidade moderna. Deixo o ensino jurídico para momento posterior. Eventualmente até penso em um post construído por mais mãos.

            O que quero discutir agora é precisamente uma problemática que repeti nos posts anteriores, que é a questão da técnica. Acredito ser, precisamente, o ato de transformar saberes em técnicas, um dos fatores que tem servido para provocar esse estranhamento, essa alienação, no meio estudantil sobre a qual venho falando.
            A princípio, creio ser um pouco difícil caracterizar o que compõe um conhecimento técnico. Acredito que, de forma simplificada, podemos dizer que técnica é “um procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado”.
            Pois bem, partindo dessa definição, acredito que já seja possível ver aqui o ponto chave do que falei nos posts anteriores; o estranhamento (aquilo que chamei mais vulgarmente de alienação[1]).
            Se a técnica é um conjunto de meios, já vemos que, com a própria constituição de um saber técnico, se procede uma separação, uma cisão entre meios e fins. Dessa maneira, quando se ensina[2] uma técnica, ou apenas uma técnica, sem passar pelo estudo da constituição desse saber, perde-se a noção da real serventia desse conhecimento.
            No caso das nossas universidades, que hoje se voltam apenas ao fortalecimento do caráter mercantil e espetacular da nossa sociedade como falei no post anterior, o que se tem feito é lecionado técnicas, de modo a produzir estudantes que dominem esses sabres, mas que não vislumbram a finalidade das práticas que virão a desempenhar.
            No fundo a alienação (ou estranhamento) se dá quando o realizador da tarefa não consegue mais reconhecer o produto do seu trabalho. Na universidade, os estudantes precisamente são esses agentes, que não estudam, e conseqüentemente não enxergam, o produto da técnica que aprendem. Estuda-se um conjunto de procedimentos para um fim que é dado, não se conhece de verdade e nem se busca conhecer.
            É por isso que a instituição e o ensinar da técnica é, em si, uma forma de alienação. Para que se possa efetivamente utilizar-se da técnica seria recomendado conhecer muito bem seus objetivos, para não se cair no estranhamento entre o operador e o produto das operações.   
            No mais, ao se estudar exclusivamente a técnica e desligá-la de seus fins, o que se constrói é uma espécie de “naturalização” desses objetivos que busca a técnica. Concebe-se assim uma idéia de “desenvolvimento técnico”. Como se houvesse apenas um sentido possível de desenvolvimento. Como se “desenvolver-se” contivesse em si toda sua significação e não coubesse o complemento desenvolver-se para onde, ou em que sentido.
            Dessa maneira, a técnica funciona como meio de estreitar a visão dos que a estudam e fazê-los enxergar apenas em uma direção.
            Meu ponto é que, ao manter um estudo focado demasiadamente em técnicas, o principal objetivo que se alcança é mesmo naturalizar os rumos da idéia de desenvolvimento que essas técnicas concebem. No caso da universidade, trata-se de fazer de tudo para que não se estude os fins, apenas os meios, de forma que possamos desenvolver meios extraordinários para fins que não devemos mudar, já que não nos é permitido estudar e questionar.
            Por isso a universidade que se volta para os interesses exclusivamente do mercado e que só forma profissionais é uma estruturalmente castrante, alienante e conservadora do statu quo. A nossa universidade moderna é então o verdadeiro templo da ignorância. Entra-se com a pretensão de aprender e sai-se de lá com uma visão de mundo mais limitada do que no ingresso. É o espetáculo do ensino superior onde se produz ignorância com rótulo de sabedoria. Ignorância essa que chamamos conhecimento técnico.           
            Acredito que essa seja a síntese do que quis falar nesses três posts: esse, A alienação no meio estudantil e A alienação da universidade moderna. Concluo dessa forma essa temática por enquanto e passarei a outros assuntos nos próximos posts.
            Já informo que, nesse final de semestre, diminuirei as postagens. É bem possível que eu fique as próximas duas semanas sem fazer novos posts aqui. Mas assim que essa etapa mais conturbada passar, volto a me dedicar mais a esse espaço.

Ivan Sampaio


[1] Volto a repetir que o termo mais adequado seria simplesmente estranhamento. Mas assim como nos posts anteriores optei por alienação mesmo sabendo da imprecisão.     
[2] Não entrarei na problemática do ato de ensinar, mas talvez ainda faça um post sobre a “violência simbólica” que representa o ensino.   

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A alienação da universidade moderna


Hoje vou cumprir com o prometido e retomar o tema que iniciei no post A alienação no meio estudantil

            Quero então destacar a mudança que a instituição universidade (em especial no ocidente) sofreu mais ou menos a partir da década de 60 nos países ditos desenvolvidos e a partir da década de 90 na modernidade periférica.
            Essa mudança a que me refiro trata-se, fundamentalmente, do momento em que se percebeu o potencial da universidade para o projeto de desenvolvimento da modernidade. Em verdade a atual complexidade que tomou conta da vida moderna passa a demandar outra forma de profissionais. A mão de obra agora precisa ter algumas qualificações e algumas capacidades específicas, mas, assim como na alienação[1] fabril, esses novos profissionais também não podem ter a visão da totalidade do processo no qual serão inseridos.          
            É ai que a universidade passa, paulatinamente, a deixar de formar os “intelectuais burgueses” e começa a formar os técnicos que terão de operar o “sistema” em quase todos os níveis.
            Antes dessas transformações o objetivo da universidade era fundamentalmente a formação de intelectuais da burguesia. Era da universidade que sairiam aqueles que ocupariam os cargos de projeção na sociedade, em quase todos os ramos. Tratava-se de uma concepção extremamente elitizada. É dessa concepção de universidade que surgem alguns “rituais” que mantemos até hoje em alguns cursos, como as pomposas formaturas, que simbolizam bem esse espírito que foi condutor da universidade por tanto tempo. Hoje esses rituais se mantêm muito mais por tradição do que por real ligação com seus significados originais.
            No Brasil, atualmente, o que vemos é uma forte expansão do ensino universitário. Promove-se isso com o fundamento da inclusão. O que não se fala é que não se trata mais da mesma universidade. A idéia agora não é mais a de formar os intelectuais que darão rumo à sociedade. A universidade hoje forma fundamentalmente os “soldadinhos da classe média”. São técnicos com formação extremamente especializada e fragmentada.
         Em verdade a universidade passou a se prender a um desenvolvimento técnico que tem como marca a alienação. Trata-se de um ensino cada vez mais massificado que, como já falei no post A alienação no meio estudantil, resume-se a desenvolver saberes em um sentido único buscando finalidades que já não estão mais em discussão e que nem mesmo podem ser vislumbradas pelos estudantes. É a formação que não questiona para não transformar.
            Logo, o que se vê hoje é uma universidade muito menos elitizada que nas décadas de 50 e 60, mas que passou a simplesmente formar profissionais com a pretensão de que eles, em nenhum momento pensem, apenas reproduzam o que aprenderam.
            Não quero aqui defender o modelo intelectual burguês de universidade. Certamente o ensino extremamente elitizado não deve ser colocado como forma de resistência a essa nova estruturação. Meu ponto é que essa estrutura de universidade vem para cumprir dois papeis fundamentais: primeiro, colocar a universidade dentro dos marcos do capitalismo moderno e das demandas de mercado; e segundo, promover uma divisão internacional do ensino similar a divisão do trabalho, mantendo a modernidade periférica também na periferia do saber sem a possibilidade de se desenvolver em sentido diverso.
            Na Europa a coisa não caminhou em passo muito diverso, há algumas diferenças, mas, o mercado também fez sua incursão no espaço universitário. Desde a década de 60 os franceses, por exemplo, já alertam para essas mudanças, em destaque para a internacional situacionista que promoveu o que entendo ser a melhor crítica desse contexto em um texto já referido Da miséria no meio estudantil.  
            Acredito que o grande marco dessa transformação na Europa seja o chamado processo de Bolonha. Esse processo gestado na universidade de Bolonha é fundamentalmente uma proposta de reestruturação e unificação do ensino superior europeu objetivando a integração das universidades européias para maximizar a empregabilidade dos jovens.
           No Brasil podemos destacar programas como Prouni e Reuni no âmbito federal; a reestruturação de universidades estaduais com a presença de fundações privadas e capital privado principalmente no desenvolvimento de pesquisas; no âmbito das antigas universidades comunitárias a reestruturação do sistema como, por exemplo, das PUCs. Todos esses exemplos são reflexos das idéias esboçadas nesse processo de Bolonha. Além disso, a década de 90 permitiu ao próprio capital privado criar suas instituições de ensino superior. Tudo isso mostra a cara da nova universidade que passa a emergir no Brasil.   
            A diferença fundamental está que na chamada modernidade periférica a pretensão é a de formação de “técnicos subalternos”, que serão capazes de executar tarefas precisas, mas que não desenvolverão a técnica, apenas reproduzirão; e nem terão uma formação capaz de dar os rumos a esse desenvolvimento. Para isso as universidades Européias e Americanas manterão sua primazia e formarão aqueles que terão efetivas condições para dar as diretrizes desse desenvolvimento.
           Trata-se da mais moderna colonização do pensamento, onde o pensar a técnica e o conhecimento sobre o desenvolvimento permanecem nos centros do sistema e compete à periferia apenas obedecer aos ditames e as direções indicadas pelo saber de quem vai, efetivamente, desenvolver as técnicas a serem reproduzidas.
            É preciso que se diga que a visão de totalidade do sistema se perdeu seja no centro ou na periferia da modernidade. As finalidades desse desenvolvimento já não estão mais em questão. A diferença é que enquanto os países do centro formam aqueles que protagonizam o sistema, os países como o Brasil se limitam a formar os executores dessas diretrizes.
            É precisamente nesse contexto que vislumbramos a alienação que venho falando. Esses profissionais saber muito bem como chega a um destino que desconhecem. Acredito que nesse ponto valha uma velha citação do filme Queimada! (Gillo Pontecorvo): “Melhor saber onde se quer chegar e não saber como; do que saber como e não saber onde”.    
           Por fim, destaco que o processo a que me refiro ainda não se concluiu. Obviamente a universidade ainda é bastante elitizada e as transformações promovidas pelo mercado ainda são muito recentes. Mas creio que tracei aqui a direção que todo esse processo tem tomado. A idéia não está sendo inserir a universidade na sociedade ou a sociedade na universidade, mas sim colocar a universidade na órbita dos interesses do mercado e na lógica da produção, onde o estudante é a matéria prima e o técnico o produto.           

            Bem, sobre o tema recomendo também a leitura do post O Processo de Bolonha: O que é isso? Para quem é isso?
            Farei ainda um post sobre essa temática exemplificando o que falei com o ensino jurídico no Brasil e aprofundando um pouco mais na idéia de técnica como alienação. Tentarei publicar o mais breve possível.

Ivan Sampaio

P.s: Desculpem pela qualidade bem inferior desse post, sei que a análise aqui foi colocada de forma muito superficial, mas não consegui o tempo que queria para desenvolver as idéias. Prometo que no próximo corrijo isso.  





[1] Da mesma maneira que no post A alienação no meio estudantil, o termo mais adequado aqui possivelmente seria o estranhamento usado por Marx. Tendo em vista, entretanto, a significação que ambos os termos tem hoje, opto por usar alienação ainda que represente uma imprecisão terminológica.   

domingo, 14 de novembro de 2010

Quando o outro somos nós

        Antes de continuar a desenvolver o tema da universidade e do meio estudantil resolvi fazer esse post mais curto para comentar um pequeno vídeo que assisti esse fim de semana. Desculpo-me, de antemão, por não estar cumprindo a promessa de continuar o tema anterior agora, e peço que assistam ao vídeo Proibido Parar antes de lerem o que tenho a dizer, tem apenas 6 minutos e vale apena. Segue o vídeo aqui também:






        Achei o vídeo genial! É genial pela sua incrível simplicidade, as pessoas tomam uma atitude corajosa em defender o artista, e isso sem precisar de qualquer grande elaboração teórica de motivos. Trata-se de uma questão muito simples; reconhecer no outro um igual a si.
        Acredito que talvez essa seja a grande idéia e lição que podemos aprender dessas pessoas, que não tinham qualquer vinculo com o rapaz, mas foram capazes de se contrapor a autoridade por entender que uma afronta a liberdade do artista seria uma afronta à própria liberdade, à liberdade de todos.
        Mais fantástico é que não foi preciso nenhuma coordenação, de nenhum agitador, de nenhum dirigente. A identificação da opressão se deu de forma espontânea. Acredito que essa é uma pequena prova de que ainda é possível acreditar nas pessoas, elas não precisam ser esclarecidas, não precisamos ensinar a elas nossas verdades. Afinal de contas ninguém é idiota !
"Metamorphosis of Narcissus"  de Salvador Dali
      No fundo tudo passa pela velha problemática (acho que ainda kantiana) do outro. A grande idéia revolucionária é conseguir reconhecer no outro um igual.
        O que vemos em nossa sociedade é um constante esforço estratégico para impedir, por meio das relações de poder colocadas, esse reconhecimento. São os preconceitos étnicos que impedem as pessoas de perceberem em outra etnia um sujeito igual; são os preconceitos de opção sexual que insistem em impor barreiras nessa identificação; é a discriminação política, ideológica, social, religiosa ... Todos esses preconceitos e distinções são o que essencialmente nos divide e criam uma distinção artificial entre nós e os outros.
        Acredito que esse vídeo, muito simples, com pessoas em seu cotidiano, serve para nos mostrar que talvez as chamadas “massas” não precisem mesmo de uma “direção” nem de “iluminação”. O que podemos, acredito, concluir é que não é preciso a atitude de pessoas extraordinárias para trazer a “luz’ e a “verdade” para todos. Acredito que grandes atitudes são tomadas apenas quando mulheres e homens ordinários agem de forma extraordinária.
        O que precisamos mesmo perceber, é que pessoas que possuem verdades diversas das nossas, são igualmente capazes de atitudes extraordinárias.

Sobre esse tema recomendo um poema muito bonito do João Costa Filho no blog Espelho de Sombras
            
Me desculpem não ter continuado o raciocínio da postagem anterior. Mas na próxima retomo a idéia. Falarei da mudança dos objetivos da universidade e da relação desse novo paradigma com a condição do estudante.
            
Para quem não leu ainda, veja o meu post anterior aqui onde falei sobre a alienação no meio estudantil.


Ivan Sampaio 


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A alienação no meio estudantil

           Entendo que na nossa sociedade contemporânea é provável que os estudantes componham um dos grupos – se não o grupo - mais alienado existente.
            Para conseguir desenvolver o tema, inicio por um conceito. Pois bem, a alienação[1], no sentido marxista e abordando-a em relação à produção. Podemos afirmar, de forma simplista, que com a desvinculação do trabalho do homem do produto desse trabalho criou-se, na sociedade industrial, a incapacidade do trabalhador de compreensão do processo produtivo como um todo. Dessa forma, cada vez mais os funcionários se viam adstritos à reprodução de uma tarefa sobre a qual não tinham efetivo conhecimento, vez que não entendiam a finalidade do processo como um todo.
            Pois bem, na nossa contemporaneidade, não é segredo que as universidades caminham cada vez mais sob a condução dos interesses do mercado. O chamado ensino superior forma hoje essencialmente profissionais para um mercado de trabalho e a universidade cada vez mais pauta suas atividades para disciplinar os estudantes em moldes que os permitam ser bons operadores das engrenagens de suas atividades futuras. Nos cursos de direito se formam operadores da justiça; na administração, gestores da empresa (em alguns casos do Estado, visto como empresa); na engenharia, técnicos do funcionamento em diversas vertentes; na medicina, profissionais que tratam doenças ao invés de pessoas. Poderia mencionar muitos outros (Publicidade, Jornalismo, Arquitetura...), mas não vou individualizar um a um. Em síntese saem das universidades verdadeiras “fornadas de colarinho branco”.  
            Os exemplos que citei obviamente são locos onde a chamada “tecnicização” atingiu seus pontos mais elevados. Curiosamente são os cursos mais procurados, e que mais disponibilizam vagas atualmente nos bancos da academia. O que me pergunto é: o que significa a universidade se voltar para um desenvolvimento e formação preponderantemente técnica?
            De forma geral o que acontece é que essa função, a que serve a universidade hoje, trata não mais de desenvolver conhecimento, mas sim disciplinar esse desenvolvimento, para que ele se dê em uma única vertente. A vertente técnica. Desse modo a universidade se comporta como uma instituição que coloca uma espécie de “bitola” nos estudantes para que eles possam desenvolver o saber em um sentido único. Trata-se assim de desenvolver apenas essas técnicas bastante minuciosas e complexas a serviço de uma sociedade de mercado na qual já não se busca estudar suas estruturas enquanto um todo, mas apenas depreender meios para promover sua reprodução. Esses meios são a técnica, objeto de estudo quase único nas universidades hoje.
            È assim que se evidencia que a universidade contemporânea tem preponderantemente a função de ensinar o sistema e não mais se questionar sobre ele. Logo não se busca o entendimento da sociedade nem se questionar sobre seus objetivos, procura-se puramente estudar meios para manter as engrenagens funcionando de modo a provocar uma continuidade dos rumos desse desenvolvimento dado.   
            Agora, no que isso se diferencia da alienação marxista do operariado? É dessa forma que o estudante moderno não é menos alienado que o operário dos tempos modernos de Chaplin. Enquanto o operário passa o dia apertando parafusos numa fábrica e pode nem saber o que efetivamente se monta, o estudante passa sua estadia na universidade desenvolvendo técnicas que em nenhum momento se busca efetivamente conhecer suas finalidades. É assim que se garante um desenvolvimento da sociedade buscando se chegar a um destino que é absolutamente ignorado pelos condutores dos motores que impulsionam esse movimento.
            No caso do estudante, entendo que a alienação é um pouco mais gravosa do que no operário dos tempos modernos. A verdade é que o estudante dificilmente percebe sua condição, vez que ele está preso dentro de uma lógica que não só é disciplinar como é também espetacular. O estudante acredita estar no “templo do conhecimento”, no local onde se desenvolve o supra-sumo do saber humano. Nesse contexto, fica extremamente difícil enxergar a miséria de sua condição quando ele é visto por todos e por ele mesmo com atributos tão elevados. O espetáculo compõe assim o grande meio para obscurecer a mediocridade da condição do estudante. É por meio das luzes do palco ilusório no qual os estudantes são colocados, que se esconde, sutilmente nos bastidores, a miséria e a mediocridade estudantil. É um show, um espetáculo !   
            Quero por fim que todos entendam que não acredito que possa existir estudante iluminado que se escuse dessa alienação, desse estranhamento. Em verdade, todos, em maior ou menor grau, nos encontramos diante do espetáculo alienante da universidade. A única coisa que julgo possível é que alguns se percebam nessa situação. Mas esse fato não os liberta das amarras alienantes, pode inclusive agravá-las caso esses estudantes, que se supõe “esclarecidos”, passem a crer que detém a verdade; que isso os coloca em patamar mais elevado que os demais. Essa atitude nada mais é do que a construção de outro espetáculo alienante travestido de crítica.
            Meu ponto é que não se pode romper com o espetáculo partindo de uma presunção de que se detém a verdade. Acredito que um possível caminho é precisamente atacar toda e qualquer pretensão absoluta de verdade. Certamente não é “entificando” a verdade em uma análise que se passa possuí-la. A verdade não pode ser possuída, ela é constantemente disputada, mas, ao acreditar possuí-la, apenas se constrói novo palco para o espetáculo moderno, igualmente alienante.         
            O que pretendo é dedicar ainda mais uns dois ou três posts sobre essa temática focando em alguns assuntos peculiares desse contexto. Não sei se conseguirei cumprir com uma agenda, mas prometo tentar manter certa periodicidade nessas postagens.
             Por fim, deixo aqui uma referência e duas dicas.
           A referência é o texto: Da Miséria no Meio Estudantil texto revisado pelo filósofo francês Guy Debord
           A primeira dica é um post diferente do que escrevi aqui, mas interessante, sobre a Academia no Brasil: A Crise na Academia Brasileira do meu amigo Hugo.
            A segunda dica é o Filme The Wall, exemplo claro da “Sociedade do espetáculo” em diversas vertentes não só no meio estudantil.    
            
Desculpem por não conseguir ser mais sintético no post.

Ivan Sampaio

P.s: Vejam a primeira postágem do Blog Aqui onde falei sobre porque criei esse blog.   


[1]  Aqui, entendo que o termo mais adequado talvez não seja alienação, mas sim estranhamento. No jovem Marx a referência geral é o estranhamento, que pode ser pensado inclusive em relações muito mais amplas que a mera produção ou reprodução econômica. Mas como atualmente a palavra estranhamento tem outros significados, opto por me referir a essa idéia como alienação, ainda que isso possa mesmo representar uma imprecisão terminológica.