domingo, 31 de julho de 2011

Pierre Clastres leitor de La Boétie: Antropologia e Política

Obs: Hoje publico aqui esse pequeno ensaio que escrevi como trabalho para o curso de Filosofia da USP. É um textinho bem modesto e que fiz algumas pequenas adaptações para postá-lo aqui. Nele fiz a leitura de um escrito belíssimo que é o "Discurso da Servidão Voluntária" do La Boétie. Faço essa postagem mais para não perder o texto e para não desperdiçar um escrito com apenas uma nota no sistema Jupterweb da Universidade de São Paulo. Segue o texto.      


Pierre Clastres leitor de La Boétie
Antropologia e Política

            Pretendemos, nesse estudo, fazer uma leitura em conjunto do Discurso da Servidão Voluntária[1] de Etienne de La Boétie com os textos Liberdade, Mau encontro, Inominável[2] e Troca e Poder: filosofia da chefia indígena[3] ambos de Pierre Clastres.
            Antes de iniciar propriamente a comentar o texto do La Boétie, é preciso fazer uma breve referência ao pensamento de sua época. Quero destacar aqui a idéia de história que se mostra preponderante no período da renascença. Acredito que seria demasiadamente anacrônico olharmos para a renascença e para os autores desse período e atribuir a eles concepções de relativismo histórico e cultural como as que foram desenvolvidas, em grande parte, apenas pela antropologia moderna.
            Nesse sentido, é preciso destacar que durante o período renascentista a história é vista como “circular”, ou seja, se busca a repetição, os fatos recorrentes, imutáveis ou atemporais. Podemos mencionar aqui o termo universalismo histórico como o pensamento marcante desse período. A título de exemplo é cabível olharmos para a obra do próprio Maquiavel, no tocante à história, creio que ele representa muito bem essa concepção universalista renascentista.
“Quem estudar a história contemporânea e da antiguidade verá que os mesmos desejos e as mesmas paixões reinaram e reinam ainda em todos os governos, em todos os povos. Por isso é fácil, para quem estuda com profundidade os acontecimentos pretéritos, prever o que o futuro reserva a cada Estado, propondo os remédios já utilizados pelos antigos ou, caso isto não seja possível, imaginando novos remédios, baseados na semelhança dos acontecimentos. Porém, como estas observações são negligenciadas (ou aqueles que estudam não sabem manifestá-las), disto resulta que as mesmas desordens se renovam em todas as épocas.” [4]                       
            Dessa maneira, acredito que La Boétie, inserido nesse período, compartilhava da mesma concepção universal. O próprio Pierre Clastres ao comentar o Discurso da Servidão Voluntária afirma que:

“(...) ele [La Boétie] coloca uma questão totalmente livre porque absolutamente liberta de toda ‘territorialidade’ social e política e é porque sua questão é trans-histórica que somos capazes de ouvi-la.” [5]      

            Dito isso, a pergunta que surge é: que questão é essa que podemos ouvir, que parece ser capaz de transpassar o tecido da história e chegar até nossos dias?
            Esse questionamento é: “como pode ser que tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio que eles lhe dão, (...)” [6]. Colocada nos termos de Clastres: “Como é possível, pergunta La Boétie, que a maioria obedeça a um só, que não somente obedeça mas o sirva, não somente o sirva mas queira servi-lo?”[7]  
            Essa questão pode ser desdobrada em duas outras: Como os homens perdem sua liberdade e caem na servidão e como a servidão persiste se só depende da vontade dos homens retomar sua liberdade. No Discurso, La Boétie busca uma resposta para a segunda questão, mas no atinente à primeira ele apenas afirma que o início da servidão se deu por um “mau encontro”: “que mau encontro foi esse que pôde desnaturar tanto o homem (...)”[8].
            A preocupação de Le Boétie parece se voltar mais para uma crítica da tirania do que precisamente para explicar suas origens. Nesse ponto o Discurso destoa completamente da literatura política de seu tempo[9].
            Um debate comum dos autores da renascença girava, precisamente, em torno de que forma de governo seria mais apropriada para a formulação do Estado bom e belo. La Boetie, logo nas primeiras páginas de seu escrito, descarta esse questionamento e coloca a monarquia, a aristocracia e a democracia como formas de sujeição do homem. Assim, para La Boétie, a servidão está presente em qualquer forma de governo, e a tirania é uma imanência do próprio governo. Sendo assim, sua crítica a tirania é uma crítica ao próprio Estado e não a uma forma específica de exercício do poder político.
            Apesar de não responder o que ocasionou o “mau encontro”, La Boétie consegue caracterizar muito bem as conseqüências desse infortúnio. Penso que a palavra chave nesse assunto é “desnaturação”. Para La Boétie o homem é “o único nascido para viver francamente” [10] e o “mau encontro” fez-lo “perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo” [11]. Assim o “mau encontro” viria na contra mão da própria essência humana, e teria a capacidade de produzir uma condição artificial que suprimiria do homem sua natureza, tornando-o assim “desnaturado”.
            Voltando-nos novamente à temática do caráter “trás-histórico” do Discurso, podemos perceber que, ao se utilizar de ferramentas lógico-dedutivas e tentar colocar seu pensamento em âmbito universal, La Boétie percebe exatamente
“(...) que a sociedade na qual o povo quer servir ao tirano é histórica, que não é eterna (...) que possui uma data de nascimento e que algo deve ter necessariamente se passado para que os homens caiam da liberdade na servidão.” [12]                                               
           
            Assim, o “mau encontro” longe de provir da naturalidade, atenta ou distorce a própria natureza do homem e formula uma artificialidade com pretensão de se fazer natural.
            Essa “desnaturação” do homem antecipa algumas empresas filosóficas muito posteriores (segundo Clastres o pensamento de Nietzsche e Marx). Refiro-me aqui as idéias de alienação e de decadência. Sobre a alienação em especial, há uma passagem que já aponta para essa categoria, ainda que não se refira a ela pelo nome. “Os livros e a doutrina dão aos homens, mais que qualquer outra coisa, o sentido e o entendimento para se reconhecerem e odiar a tirania;” [13]. A palavra central nesse fragmento é “se reconhecerem”, uma idéia bastante forte que justamente romperia com um estado de alienação (aqui talvez no sentido mais hegueliano que propriamente marxista).
            O ponto é que em La Boétie essas idéias já estão embrionariamente apontadas, e a conseqüência de todas essas mazelas provenientes da servidão é uma sociedade dividida entre os que mandam e os que obedecem. Pior do que isso se trata de uma naturalização da “desnaturação” humana. O “mau encontro” provoca de tal forma o esquecimento da liberdade que a servidão passa a ser vista como natural. “A desnaturação consecutiva ao mau encontro engendra um homem novo, de tal modo que nele a vontade de liberdade dá lugar à vontade de servidão.” [14]    
            Disso parece resultar que a passagem pelo “mau encontro” se da apenas em um sentido. Diante de tudo isso, Clastres se volta para as sociedades ditas “primitivas”, as “sociedades sem Estado” para observar como se da à vida sem essa passagem. Observe que não se trata de observar a sociedade antes do “mau encontro”, mas uma sociedade sem esse acontecimento. A idéia aqui é que não é por falta de capacidade que essas sociedades “primitivas” não instituíram um Estado e que um dia chegarão nesse patamar de evolução. Trata-se sim de uma recusa dessa instituição.
            Clastres se volta para as sociedades indígenas sul-americanas e observa, nessas comunidades, grande peculiaridade no atinente ao poder atribuído ao chefe indígena. A curiosidade é precisamente que a chefia, por vezes, chega a se assemelhar com uma servidão. Trata-se da “(...) estranha persistência de um ‘poder’ quase impotente, de uma chefia sem autoridade, de uma função que funciona sem conteúdo.” [15]
            Não intento aqui reconstruir o percurso percorrido por Clastres em seu texto para explicar o emaranhado complexo de estruturas de troca e de exclusão da troca que explicam os maios pelos quais se constitui essa função da chefia. O ponto que quero tomar é que Clastres coloca que o meio pelo qual essas sociedades indígenas conseguem produzir um chefe impotente é excluindo do jogo social o poder político; tonando esse poder externo à própria dinâmica da vida social.
            “É por ser de alguma forma imanente ao grupo que a função política poderá manifestar-se de maneira efetiva.” [16] Assim, Clastres coloca que o “mau encontro” firma o poder político, a servidão, como imanente no homem “desnaturado”. Já as sociedades “primitivas” parecem criar estruturas que colocam o poder político num lugar exterior; trata-se de um esforço para não permitir que o poder político (a tirania) se torne imanente.
“(...) essa função política, nas sociedades indígenas, está excluída do grupo, e até mesmo o exclui: é portanto na relação negativa mantida com o grupo que se enraíza a impotência da função política; a rejeição desta para o exterior da sociedade é o próprio meio de reduzi-la à impotência.” [17]    
            Assim, para Clastres as sociedades ditas “primitivas” criam mecanismos (ou estruturas) que parecem permanentemente reprimir o desejo de submissão dos homens. Elas “recusam a relação de poder, impedindo o desejo de submissão de se realizar.” [18].
            Dessa maneira, não significa que os desejos de poder e de submissão não existam, muito pelo contrário. O desejo parece existir e é o esforço social de reprimi-lo que assegura a não concretização do “mau encontro”. Essa seria assim a prova maior de que “(...) não é necessário ter feito a experiência do Estado para recusá-lo, ter conhecido o ma encontro para conjurá-lo, ter perdido a liberdade para reivindicá-la.” [19] 
            Retornando agora para o La Boétie, por óbvio ele não tem o conhecimento antropológico e nem teve acesso a material etnográfico que o permitisse uma análise detida das sociedades “primitivas”. Ele pode ter tido conhecimento da literatura das grandes navegações do Sec. XVI, mas isso não seria suficiente para uma análise tão detida e ainda assim o seu método era outro. Como mencionamos no início, a sua trajetória passa por uma concepção histórica universalista e um método de análise dedutivo. Ainda assim, a questão que ele propõe abordar penetra profundamente nesse homem que serve, que é um homem historicamente localizado.
            O enigma da servidão que La Boétie coloca é singular em seu tempo e nos assombra até hoje. Para o próprio Clastres tratar-se-ia do início de uma “decadência irresistível” marcada pelo “mau encontro” sem retorno.
            É então descrevendo as mazelas de uma sociedade servil que La Boétie traça o que acredito poder ser os primeiros rascunhos teóricos do homem moderno, que imerso na servidão se degrada e se aliena. Para Clastres, então, as sociedades sem Estado reprimem os “maus desejos” produzindo uma sociedade irrequieta onde “o poder, paradoxal em sua natureza, é venerado em sua impotência” [20]. Trata-se assim da caracterização de uma servidão voluntária em La Boétie que parece ser constantemente evitada pelas sociedades “primitivas” em Pierre Clastres.                                                                                            

Ivan de Sampaio


[1] LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária (Manuscritos De Memes) 2ª ed. São Paulo/SP: Brasiliense, 1982. P. 11/37     
[2] CLASTRES, Pierre. Liberdade, Mau encontro, Inominável in: LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária 2ª ed. São Paulo/SP: Brasiliense, 1982. P. 109/123.
[3] CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado: pesquisa de antropologia política 5ª Ed. Brasil: Editora Francisco Alves, 1990. Cap. 02. Pag. 21/35.     
[4] MACHIAVELLI, N. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio: “Discorsi”. Brasília: Editora Universidade de Brasília; 1982. Livro 1º, Cap. XXXIX, P. 129. 
[5] Cf. nota no 02. P. 109.
[6] Cf. nota no 01. P. 12     
[7] Cf. nota no 02. P. 109/110
[8] Cf. nota no 01. P.19.
[9] Não que a literatura da renascença buscasse explicar a origem do Estado, mas a crítica ao Estado em si é que torna o Discurso um escrito singular desse momento histórico.  
[10] Cf. nota no 01. P.19.
[11] Cf.. nota no 01.P.19.
[12] Cf. nota no 02. P.110
[13] Cf. nota no 01. P.24
[14] Cf. nota no 02. P.115
[15] Cf. nota no 03. P. 22/23.
[16] Cf. nota no 03. P. 31.
[17] Cf. nota no 03. P. 31.
[18] Cf. nota no 02. P.117.
[19] Cf. nota no 02. P.117.
[20] Cf. nota no 03. P.34/35.

domingo, 24 de julho de 2011

#Eblog

#Eblog, muito mais que virtual: Anticapitalista e libertário

Quem somos

O #Eblog é um grupo de blogueir@s de esquerda, unidos ao redor das bandeiras anticapitalista, antirracismo, antihomofobia, antimachismo, feminista, ecossocialista, em defesa dos povos indígenas e quilombolas, sobretudo pelas lutas cotidianas das trabalhadoras e dos trabalhadores pela emancipação de sua classe internacionalmente, que defende uma concepção material de democracia socialista, revolucionária, de baixo para cima e feita e vivida e instaurada cotidianamente pelos de baixo, isto é, que não se restrinja à democracia capitalista liberal e sua liberdade formal e seus direitos abstratos.

Progressismo ou anticapitalismo?

O #Eblog não se propõe ser uma associação orgânica de “blogueir@s de oposição ao governo” (embora conosco possam atuar opositores/as de esquerda ao atual governo), ou uma associação jornalística extraoficial, mas um agrupamento de lutadores e lutadoras que, reunid@s numa frente de lutas comuns, pretende ocupar e resistir no caminho abandonado por forças outrora de esquerda.

A atual guinada liberal-conservadora do Governo Dilma, sob o argumento da “correlação de forças”, está acometendo parte da blogosfera que se coloca no campo de esquerda, e que, recentemente, assumiu para si o adjetivo “progressista”. Não negamos o fato de que a política também se faz no jogo de forças entre as classes sociais, na chamada “correlação de forças”, mas é preciso reconhecer o momento em que essa expressão se torna um argumento universal para se responder a qualquer questionamento e se esquivar de todas as críticas políticas. É preciso construir projetos políticos capazes de ir além da consolidação de burocracias e aparelhos, que acabam ficando pra trás do movimento das forças sociais vivas de resistência e luta em geral.

Propomos, pois, lutar por alternativas a essas práticas políticas, colocando-nos sempre à disposição de ações de luta unificadas em favor de bandeiras políticas emancipatórias em comum que vão para além da defesa deste ou daquele governo, este ou aquele partido, e sim de emancipações inadiáveis e urgentes.

Pontes e limites

Não abrimos mão da impaciência e do combate a atual conciliação/colaboração de classes da qual é cúmplice e conivente uma maioria dos que se dizem progressistas, que, por sua vez, instauram o silêncio sobre questões essenciais em nome de um pragmatismo que já perdeu toda razão de ser. Sem perder o senso prático, questionamos: qual a correlação de forças que justifica o ataque à reputação d@s blogueir@s que se propõem defender as causas emancipatórias de esquerda, às quais os “progressistas” sistematicamente e sintomaticamente se omitem e se calam, desviando o assunto e por vezes desqualificando debatedores/as?

As pontes tem limites, não aguentam todas as intempéries e hoje estão em obras, sem data para terminar e com orçamentos sigilosos. O macartismo, o senso de ombudsman em defesa do Governo Dilma ou de Lula não é à toa, não é pessoal, não é só dos “blogueiros progressistas”: é comum em qualquer discussão com a maioria d@s apoiadores/as do atual governo. Infelizmente, isso não ocorre de modo isolado, pois tornou-se tática constante.

A coordenação dos autoproclamados “blogueiros progressistas” vem praticando um jornalismo tão vertical que até a forma de reagir às críticas tem seguido um corporativismo que remete às práticas da grande imprensa oligárquica. Telefonam uns para os outros e vão coordenando ataques de descrédito: deslegitimar a fonte, desviar a questão política para verdade/mentira, estabelecer o “fato” e a “verdade” como resultado de uma técnica específica, de certo efeito de discurso jornalístico. A campanha empreendida por alguns líderes do BlogProg contra  Idelber Avelar, logo após o processo eleitoral de 2010, foi sintomática e exemplar nesse sentido, acabando por reproduzir o típico denuncismo da mídia oligarca sobre o “mensalão” - que, aliás, os mesmos “progressistas” criticam! A reação corporativista dos jornalistas do BlogProg às críticas políticas parece-nos entrar no mesmo modus operandi da grande imprensa - que dizem  combater, chamando-os de “Partido da imprensa Golpista - PIG” em função de constantes ataques, fruto do ódio de classe elitista, contra Lula e o Partido dos Trabalhadores, ou seja, agindo como verdadeiro “Partido da Imprensa Favorável - PIF”.

Dentre muit@s que participam dos Encontros dos Blogueiros Progressistas na esperança de construir uma alternativa, sabemos que nem tod@s adotam este posicionamento, mas entendemos também que acabam, de um modo ou outro, alinhad@s e/ou coniventes com as orientações políticas hegemônicas de sua direção. Para alguns destes “blogueiros progressistas” as dissidências e/ou a oposição de esquerda frente a linha política hegemônica (simpática ao atual governo) são tratadas como “esquerda que a direita gosta”, “psolismo”, “jogo da direita” ou “ultraesquerdismo”. Inclusive, alguns dos participantes das listas de discussão dos “progressistas” ou mesmo pelo Twitter, tratam a suas próprias dissidências com sufocamento por meio de ataques virulentos e desqualificadores.

Na realidade, percebemos que os “blogueiros progressistas” não constituem uma alternativa efetiva, mas uma mera luta de hegemonia contra a grande imprensa oligarca, enquanto proclamam ser os principais porta-vozes da democracia midiática. Esta luta acaba por cair em um maniqueísmo que em nada colabora politicamente, pelo contrário: tornam rasas as análises e, consequentemente, adotam posições políticas de apoio cada vez mais acríticas, cegas e fanáticas, sempre defendendo o legado de governos e pessoas, e não as bandeiras e programas socialistas. Assim, visam tornarem-se as principais referências políticas na blogosfera brasileira. Estas práticas tem levado muitos “blogueiros progressistas” a prestarem-se ao papel de correia de transmissão das políticas da máquina partidária do atual governo, diga-se, a mais bem acabada e incorporada à institucionalidade da democracia liberal de nosso país. Portanto, parece-nos que o sonho destes blogueiros tem sido tornarem-se uma “grande imprensa”, com um público enorme, com plateia de milhares e milhares, ao invés de radicalizar a democracia na produção midiática em sua cauda longa, ou seja, na práxis cotidiana, multitudinária e concreta das lutas.

Estamos falando de um grupo  de blogueiros que vem tentando construir uma certa hegemonia na blogosfera, tentando torná-la politicamente uniforme no apoio ao atual governo e adjetivando-a enquanto “militância progressista” e, por fim, ligando-a de forma indelével às políticas liberais-conservadoras deste novo petismo que vai se consolidando no e por meio do governo, que já não possui qualquer tintura de esquerda, e, por vezes pior, está ligado a um governismo pragmático que historicamente  faz política de mãos dadas com a direita oligárquica e rentista.

Contestamos, pois, esta prática de considerarem-se como “a blogosfera progressista” e não como parte de uma blogosfera política muito mais antiga, ampla, diversa e de rico potencial emancipatório.

Tendo em vista estas reflexões críticas, propomo-nos a lutar para criar e fomentar alternativas a este tipo de prática na blogosfera, colocando-nos sempre à disposição de ações unificadas em favor de bandeiras comuns que vão para além da defesa deste ou daquele governo, este ou aquele partido.

Governo Progressista?

Somente nos primeiros seis meses do Governo Dilma, o povo brasileiro foi derrotado sucessivas vezes, a começar pelas nomeações de liberais e conservadores para os ministérios. Entre os exemplos mais gritantes, evidenciamos a posição do governo e sua “base aliada”: em defesa do salário mínimo de R$ 545,00 aprovado enquanto aprovaram salários de R$ 26.723,13 para os parlamentares;  a não aprovação doProjeto de Lei 122 e o kit antihomofobia (em nome da “governabilidade” com a bancada reacionária dos evangélicos, que integram a “Base Aliada”); o imobilismo em favor de um projeto de reforma agráriaa  aprovação do Código (des)Florestal para favorecer a expansão das fronteiras do agronegócio exportador; a privatização de vários dos principais aeroportos do país; a conivência e defesa da manutenção de um grande retrocesso na pauta culturalse colocando contra a liberdade na rede e ocompartilhamento livrerespondendo processos na Organização dos Estados Americanos - OEA por violações dos direitos humanos (em função da criminosa anistia aos torturadores ao caso de Araguaia); e, principalmente, arepressão aos povos indígenas do Xingu com a finalidade de construir a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que favorecerá as oligarquias e a instalação de grandes transnacionais eletrointensivas na região.

Este é um governo cujo Ministro da Defesa atua diariamente contra os interesses nacionais, agindo como cúmplice dos EUA e parceiro de Israel, chegando ao ponto de anunciar ter “perdido” os documentos militares sobre a repressão da ditadura militar brasileira. Um governo que atropela os interesses populares ao continuar impondo a criminosa transposição das águas do rio São Francisco ignorando o diálogo com as populações atingidas, os impactos socioambientais envolvidos e as alternativas de convivência com o semiárido proposta pelo povo e sociedade civil organizada.

Este é um governo que atua lado a lado com o grande capital e as oligarquias em detrimento dos interesses da população, garantindo grandes volumes de verba às “UniEsquinas” sem qualquer garantia de qualidade no ensino (ao mesmo tempo em que não realiza qualquer investimento significativo em educação básica) ou às empresas de telecomunicação com um PNBL (Plano Nacional de Banda Largahojeapelidado de Plano Neoliberal de Banda Lerdarisível, que não garante qualidade ou velocidade e, pior, ainda impõe um limite absurdo aos dados durante a navegação. Além de financiar com dinheiro público, via BNDES, quase todos os megaempreendimentos privados e socioambientalmente impactantes das indústrias de papel e celulose, das eletrointensivas e das empresas do agronegócio, entre outros.

Este é um governo que se diz preocupado com os direitos humanos e que quer ser potência global, mas atua de modo imperialista em defesa dos interesses de seu capital monopolista nacional, com as empreiteiras, Petrobras, Vale, enquanto renuncia à política soberana e ativa, que Celso Amorim conquistou em termos de política externa, por uma aproximação torpe com os EUA - com direito a presos políticos na visita de Obama à cidade do Rio de Janeiro para silenciar a voz crítica da população. Que diz que irá priorizar a educação mas continua reduzindo o orçamento  estrangulado, assim como faz com a saúde, enquanto o bolsa rentista semanalmente paga um programa bolsa família em dinheiro para os credores da dívida interna.

Este é o governo que atua com desenvoltura na condução, em parceria com governos estaduais e municipais, de uma política danosa para as populações atingidas pelos mega eventos esportivos. As remoções no Rio de Janeiro são exemplo da implementação de um modelo de política urbana que despreza o direito à cidade e atende a uma lógica privatizante qualificada como radicalmente danosa pelo Ministério Público Federal. Exemplo disso é a cessão ao estado e ao município do Rio de Janeiro de imóveis públicos federais para repasse à iniciativa privada. Esta cessão não é para a criação de projetos de moradia, mas para uma “revitalização” da área Portuária que será cedida a um consórcio privado, atendendo às necessidades do mercado imobiliário especulativo. Este tipo de ação não é restrita ao estado e município do Rio de Janeiro, pois acontece com igual gravidade, por exemplo, em Fortaleza cuja prefeitura do PT utiliza os mesmos métodos adotados por Eduardo Paes (PMDB). Em várias cidades-sede da Copa do Mundo de 2014, está em curso um violento processo de remoção, inclusive comandados por governos de “esquerda” que em nada se diferem de administrações tucanas que em São Paulo, por exemplo, agem violentamente contra moradores/as amedrontados/as pelas remoções em Itaquera, onde a favela do Metrôtambém é alvo desta política vil. Em quase todas as cidades que sediarão a Copa do Mundo, populações vulnerabilizadas tem sofrido com remoções forçadas que desrespeitam sua história e os laços criados com seus territórios de vida. 

Estes crimes são cometidos em nome de uma “imagem” do país no exterior, de um modelo de desenvolvimento que despreza tudo e tod@s em prol de números favoráveis para a propaganda governamental e eleitoral, ignorando inclusive acordos internacionais firmados com relação aos direitos humanos e ao meio ambiente. O resultado é o agravamento dos problemas socioambientais e o desrespeito às populações atingidas pelo avanço impiedoso de uma máquina que premia capital emarginaliza a população que sofre com o processo de criminalização da pobreza por meio do avanço das forças de repressão travestidas de política de segurança, mas que trazem no fundo um terrível sentido de manutenção de uma vigilância feroz ao que foge do sonho de consumo das elites.

O que queremos e pelo que vamos lutar

Não é este o “desenvolvimento social” e o “crescimento econômico” que a esquerda anticapitalista  precisa reivindicar, e sim alternativas com base nas experiências e lutas populares que contemplem a reivindicação intransigente da reforma agrária, da democratização da comunicação, da justiça ambiental, da abertura dos arquivos da ditadura e da redução de jornada de trabalho, de uma sociedade mais justa e com plenos direitos para seu povo. As bandeiras devem progredir, não a paciência, pois só se avança resistindo e lutando.

Lutamos pela democratização da comunicação e da cultura, pela possibilidade de ampliação dos meios de vivência e produção midiática, por universidades públicas para tod@s, gratuita e de qualidade, bem como uma Educação básica que possa ser pilar para novas gerações, com salários dignos a noss@s professores/as; assim como também lutamos pela saúde pública de nosso povo, pelo direito a um meio ambiente produtivo e saudável, pela igualdade de raça, gênero e etnia. Para avançar em tudo isto, defendemos a auditoria cidadã das dívidas da União para viabilizar estes recursos.

Lutamos pela verdade das lutas, pela abertura irrestrita dos arquivos da ditadura militar e justiça como reparação às vítimas e à verdade sobre quem participou e corroborou com este regime, direta ou indiretamente, e, claro, todos os métodos autoritários, tão comuns no Brasil inclusive antes e depois dos anos de chumbo.

Lutamos para que se coloquem em marcha processos de empoderamento d@s sem-voz, d@s sem terra, d@s sem renda, d@s sem teto, d@s sem universidade, d@s sem internet, d@s despossuíd@s, d@s sem acesso à cultura, d@s sem educação de qualidade, e, principalmente, daqueles e daquelas sem a possibilidade de viver e produzir dignamente.

O Eblog convida tod@s que se identificam com estas lutas a se unirem conosco para organizar diversas blogagens coletivas, campanhas, encontros, oficinas, discussões, cobertura  e divulgação de lutas. É hora de nos organizarmos e avançarmos com as lutas históricas sem esperar que governos e partidos o façam por nós.

A partir do Eblog, defendemos a DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO como princípio, o que significa dizer que lutamos por: a) Um Plano Nacional de Banda Larga que universalize o acesso oferecendo internet de alta velocidade em regime público; b) A luta pela aprovação do Marco Civil da Internet que endosse a liberdade civil na rede; c) Um novo Marco Regulatório dos Meios de Comunicação (“Ley de Medios”) que ponha fim nos monopólios e oligopólios da comunicação brasileira. Paralelo a isso, estamos atent@s e somos combatentes nas lutas: d) pelo fortalecimento doEstado laicoe) pelo fim do machismo e do patriarcado com o fim da violência contra as mulheres e pela descriminalização do abortof) contra o racismog) contra a homofobia e pela aprovação do PLC 122 sem nenhuma alteração que privilegie os interesses de grupos religiososh) contra todas as formas de discriminaçãoi) pela abertura dos arquivos da ditadura militar e pela punição legal dos torturadores e cumprimento das decisões da Corte Interamericana de direitos Humanos (CIDH)j) pela justiça socioambiental e contra Belo Montel) contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociaism) por uma reforma agrária ampla e popularn) contratoda e qualquer forma de censura, na Internet ou fora dela;

Para não ficarmos apenas elencando lutas, estamos propondo uma blogagem coletiva pela DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO (que incluem os itens “a”, “b” e “c” das nossas lutas/bandeiras) para JÁ, de 7 a 10 de Julho de 2011. Está na hora de tod@s  arregaçarmos as mangas - blogueir@s progressistas, de esquerda, nerds, independentes, músic@s, escritores/as, jornalistas etc. - e somarmos esforços em torno das lutas que nos unificam.

Escreva seu texto pela democratização da comunicação e divulgue nas redes com a hashtag#DemoCom e não esqueça de “taguear” a postagem também como “blogagem coletiva pela democratização da comunicação” e “democom” entre os dias 7 e 10 de Julho.

Se você concorda com nossos princípios (ou com a maioria deles), pode aderir e assinar esta notapublicando-a em seu blog e incluindo sua assinatura ao final. Temos identidade e temos lado, mas não queremos ficar restritos a guetos e nem apenas organizando encontros. Ousemos lutar!

Eblogs que assinam este documento:

Alexandre Haubrich – www.jornalismob.wordpress.com – Jornalismo B
Amanda Vieira – www.amanditas.wordpress.com – Nós
Bárbara de Castro Dias - http://eacritica.wordpress.com - Educação Ambiental Crítica
Bruno Cava – www.quadradodosloucos.com.br – Quadrado dos Loucos
Danilo Marques – www.dandi.blogspot.com – Inferno de Dandi
Gilson Moura Jr. – www.tranversaldotempo.blogspot.com - Transversal do Tempo
Givanildo Manoel - http://infanciaurgente.blogspot.com - Infância Urgente!!
Israel Sassá Tupinambá -www.uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com - Uniao Campo Cidade e Floresta
Ivan de Sampaio - http://www.desmontadordeverdades.blogspot.com/ - O Desmontador de Verdades 
Jéssica Evelyn Santos - http://dezminutosdesolidao.wordpress.com/  - Dez Minutos de Solidão
Lucas Morais – www.diarioliberdade.org – Crítica Radical
Luciano Alves - http://venosoearterial.blogspot.com/ - Venoso e Arterial
Luciano Egidio Palagano – www.razaoaconta-gotas.blogspot.com – Razão à Conta-Gotas!
Luka – www.bdbrasil.org – Bidê Brasil / A segunda luta
Mario Marsillac Lapolli e Sturt Silva – www.ousarlutar.blogspot.com/ -  Ousar Lutar Ousar Vencer
Mayara Melo – www.mayroses.wordpress.com – May Roses
Niara de Oliveira –  www.pimentacomlimao.wordpress.com – Pimenta com Limão
Paulo Piramba – www.ecossocialismooubarbarie.blogspot.com – Ecossocialismo ou Barbárie
Pedro Henrique Amaral – www.terezacomz.blogspot.com – Tereza Com Z
Raphael Tsavkko – www.tsavkko.com.br – The Angry Brazilian / Defendei a casa de meu pai
Renata Lins – www.chopinhofeminino.blogspot.com – Chopinho Feminino
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Texto extraído do Blog: The Angry Brazilian