domingo, 21 de agosto de 2011

Professores e “Tias”: A herança depreciada do ser.


  
            Acabei de ser surpreendido por uma declaração aviltante do atual governador do estado do Ceará (Cid Gomes). Segundo o Sindicato dos Professores do estado do Ceará – APEOC, esse senhor afirmou o seguinte: ‎"Quem quer dar aula faz isso por gosto, e não pelo salário. Se quer ganhar melhor, pede demissão e vai para o ensino privado.". Farei assim essa pequena postagem para comentar um pouco isso.    
            Creio ser de conhecimento de tod@s que, nos últimos anos, o movimento dos professores tem crescido e ganhado significativa visibilidade. Pelo que tenho visto, as conquistas dos professores ainda são bem pequenas no que tange a pauta da melhoria das condições de trabalho e nas pautas salariais. Mas, acredito que podemos elencar uma primeira e importante vitória já alcançada por esses movimentos. Refiro-me a idéia, que já se espalha por parcela significativa da sociedade, de que o professor deve ser valorizado. Penso ser difícil encontrar ainda pessoas que julguem ser razoável o atual valor pago a título de salários para os professores de ensino público. Essa consciência certamente é produto do grande esforço desses professores que se organizam e que ousaram se arriscar por um ideal. È preciso lembrar o quanto o Estado busca ocultar o que realmente acontece dentro dos muros das escolas. Um exemplo é a política do terror que ainda existe exatamente para desmobilizar a categoria dos professores e calar aqueles que conhecem e vivenciam os problemas da educação púbica. Sobre o tema vale assistir a esse documentário espetacular: Segredos de Estado que fala sobre a “Lei da Mordaça”.
            Pois bem, creio que afirmações como essa do Governador Cid Gomes (PSB-CE) possam, num primeiro momento, ser vistas como uma reação à organização dos professores. Afinal, o movimento cresce dia após dia e cada vez mais parece que nos aproximamos de uma grande transformação na carreira do magistério. Diante disso é esperado que a reação conservadora também apareça.
            Nesse caso, a afirmação do governador é a reedição de certo discurso que circundava nosso país ainda na década de 1960. Quando o regime militar “universalizou” o ensino público, ele o fez segundo algumas bandeiras. A primeira é a supremacia da técnica, reduziu as disciplinas e deu ênfase às ciências exatas suprimindo parte significativa da formação secundarista em humanidades. Além disso, a ditadura civil-militar buscou reduzir muito os custos da educação. A forma para tal foi fazer um corte nas folhas de pagamento que correspondiam ao grande custo regular da educação.
            Para dar sustentabilidade política para essas medidas o regime formulou alguns instrumentos. Primeiro, tudo se justificava com a necessidade de “universalizar” o ensino. Em segundo lugar, o aparato repressor da época se encarregava de minar qualquer foco organizado de resistência. Em terceiro lugar, o professor foi imbuído de uma aura de doçura, os discursos na época afirmavam que os professores seriam “mais” que profissionais, seriam parte da família dos alunos. Com isso paulatinamente se apagava a figura da professora e emergia os contornos da “tia”.
            A “tia” era então uma pessoa doce, que amava seus alunos, que era parte da família. A “tia” não pode fazer greve, a “tia” não precisa ganhar bem, é muito indelicado cobrar da família.
            Creio que essa afirmação do governador Cid Gomes é uma reedição desse discurso da ditadura civil-militar. Não é segredo que o aparelho repressor do Estado ainda se mantém, basta nos remeter novamente à lei da mordaça dos professores que citei no início dessa postagem. O ensino ainda mantém sua natureza tecnicizante e os argumentos econômicos de que não é possível pagar mais continuam seu curso.
            No fundo, o que o movimento dos professores tem conseguido e evidenciar, desnudar todo esse aparelho herdado dos anos do regime militar que continua em operação. Acredito que qualquer possível caminho para uma democracia (em seu sentido não puramente formal) passa por romper com esse entulho autoritário que se mantém no âmbito de nossas instituições, sem dúvidas a começar pelas instituições educacionais.
            Quando um governador faz uma afirmação como essa, acredito que fica evidente que ele está se colocando contrário a todo um movimento de âmbito nacional que busca como fim, mais que uma melhora na educação, mas uma radical transformação. Certamente os professores hoje, em grande parte, exercem sua profissão “por gosto”. É preciso acreditar muito, é preciso ser muito idealista, é preciso ter um espírito de dedicação impar, para optar por ser professor de escolas públicas hoje. Mas isso não justifica os salários pagos. Muito pelo contrário, se esses professores são profissionais assim tão dedicados, no mínimo provam que são merecedores de tratamento muito diverso.
            Por fim, acredito que tudo que fazemos e que escolhemos fazer deve, necessariamente, ser feito “por gosto”. Apenas, a remuneração deve condizer com a dignidade do trabalhador e deve possibilitar que ele exerça bem suas funções. Quando o governador Cid Gomes afirma essa dicotomia entre ganhar salários dignos e dedicar-se a uma atividade por acreditar nela, ele praticamente confessa que se paga bem àqueles que fazem algo em que não acreditam. Será que é por isso que o salário do governador é tão maior do que o dos professores?  
Ivan de Sampaio

P.s: Sobre a universalização do ensino, obviamente não sou contrário a ela. Acredito que o ensino público deve ser para todos. Mas universalizar um ensino depreciado não significa efetivamente levar educação para todos.
P.p.s: Desculpem por uma postagem menos elaborada hoje. Certamente falei apenas uma série de obviedades. Mas quando li as declarações do governador do Ceará (meu estado natal) não consegui não escrever nada. Ressalto que sobre o tema vale assistir também ao vídeo da professora Amanda Gurgel.                              

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