segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Polícia: O Compromisso com uma Ordem Sádica


    
            Nas últimas semanas venho acompanhando a retomada de um debate muito importante e que de tempos em tempos tende a se mostrar. Falo do tema amplo da violência policial. De forma geral, esse assunto entra em pauta em momentos de repressão mais dura a movimentos sociais ou em ocasiões em que os abusos das forças policiais vêm á tona em um caso particular exemplificativo da brutalidade cotidiana da polícia.
            O mais recente episódio que desencadeou os debates que acompanhei foi a divulgação de um vídeo gravado há aproximadamente três anos. O episódio já foi comentado pelo Macelo Semer em seu Blog, veja aqui.
            A gravação, feita por um celular de um dos policiais militares envolvidos no incidente, mostra dois homens baleados e algemados no chão enquanto um dos policiais afirma de forma desdenhosa: “estrebucha filho da puta”. Vou colocar o vídeo na integra aqui para aqueles que têm estômago assistirem. O fato também foi mostrado em reportagem televisiva, veja aqui a cobertura do SPTV.     

            De certa maneira, acredito que essas demonstrações de violência servem para evidenciar que a polícia tem compromisso apenas com a ordem pública. A princípio, essa afirmação pode não ser tão chocante, mas peço apenas que pensemos brevemente no que significa essa tutela policial da “ordem pela ordem”.
            Veja, a tutela da ordem enquanto um fim em si nos leva a idéia de que ela deve ser assegurada a qualquer custo. Quando lidamos com condutas tratadas no âmbito do direito penal estamos precisamente diante de um dos maiores objetos instigadores dos desejos de vingança pública. Isso significa que a prática de um crime se constitui enquanto uma cisão na ordem social que inspira um forte desejo de retribuição, independentemente das conseqüências práticas decorrentes dessa vingança.
            Se a força policial, que possui a competência investigativa, objetiva apenas a restauração da ordem social, pouco importa se o sujeito capturado é ou não o “culpado” pelo crime. O importante é que se acredite que ele é o culpado, que a população creia nisso e que a vingança seja praticada, seja na forma do cárcere seja pelo meio que for. O “criminoso” seria então o “bode expiatório” que por meio do seu sangue restabelece a ordem. Dessa maneira, a ordem estará protegida, independentemente de ser o sujeito castigado efetivamente responsável pelo crime ou não.
            No fundo, parece-me que essa é a função primeira desempenhada pelo direito penal de maneira ampla, bem como por órgãos públicos como o Ministério Publico. Apenas, quando observamos a polícia, vemos de forma explícita essa tutela tautológica da ordem. A polícia parece justamente funcionar enquanto o agente que desencadeia o desejo de vingança contra qualquer um que se possa fazer acreditar ser “culpado” por um crime. Nesse sentido não é por acaso que um quinto dos homicídios praticados em São Paulo capital são de autoria da policia.      
            Isso passa também pela necessidade de ocultar essa prática. Quero dizer que para que a polícia possa continuar atuando dessa maneira é preciso que seus métodos não venham a conhecimento público, a corporação policial precisa ter credibilidade. Por isso, vídeos como esse que mencionei a cima são cotidianamente protegidos do conhecimento público, em geral pela própria corregedoria da polícia. Quando um desses episódios chega à mídia é tratado como exceção, como caso isolado. Assim, sob o pretexto de “punir os policiais responsáveis”, se isenta toda a prática cotidiana da corporação policial.
            A figura do policial ganha assim um semblante bastante ambíguo. De um lado ele é um funcionário público mal pago, de outro ele é a peça fundamental em um jogo para estabelecer uma ordem prejudicial ao próprio policial. Enquanto a função da polícia parece se centrar na manutenção do status quo, curiosamente essa ordem que se pretende manter é extremamente opressora para o agente de polícia. O policial seria um servo que se esforça para manter a própria servidão.
            La Boétie, que já comentei um pouco em uma postagem anterior: Pierre Clastres leitor de La Boétie: Antropologia e Política, fala um pouco sobre essa temática. Nessa postagem anterior não entrei nesse tema específico, mas quando La Boétie se refere aos guardas que protegem o tirano, é possível ver paralelos com o papel que a polícia contemporânea desempenha na tutela da ordem.
            Para La Boétie, “o tirano subjuga os súditos uns través dos outros e é guardado por aqueles de quem deveria se guardar.” [1] Nesse sentido o policial que é dominado pela ordem é também o peão que a mantém. “Para rachar a lenha é preciso cunhas da própria lenha.” [2]. A explicação que La Boétie encontra para justificar a lealdade dos guardas ao tirano é que esses “ficam contentes de suportar o mal para fazê-lo, não àquele que lhes malfez, mas àqueles que suportam como eles e que nada pode fazer.” [3]
            Essa é uma maneira de ver a estrutura disciplinar que mantém a funcionalidade da corporação de polícia apesar do caráter ambíguo do policial. Trata-se de uma forma de “alienação disciplinar” que domestica os agentes de polícia dentro de um sentimento de tensão. Toda essa tensão de ódio imbuída por uma ordem opressora é então descarregada em uma direção específica.
            O problema maior é que, como já mencionei, esse ódio não é apenas gestado nos quadros da polícia. Se formos observar, por exemplo, os comentários do vídeo que coloquei acima, veremos a demonstração prática da afirmação de Deleuze “o fascismo está no desejo”. As condutas tipificadas como crime são, em grande parte, aquelas que a sociedade deseja que sejam perseguidas pelos cães raivosos de uniforme. Com isso, fica ainda mais difícil perceber que quando os lobos são tirados da coleira não se controla mais quem vão morder... Até por que, para que a ilusão da ordem seja mantida, basta apenas que eles abocanhem qualquer um, culpado ou não...
            Vejam que não estou aqui defendendo que se soubéssemos o autor do crime poderíamos lançá-lo aos lobos. Ao contrário, tendo em vista a proteção de todos é que não deveríamos nunca criar feras.
            Tendo a acreditar que a sociedade não deveria fundar sua ordem na produção de desejos de vingança, e não deveria alimentar nos cidadãos a retribuição da violência...    
            De todo modo, vou interromper essa postagem aqui, apenas com esse indicativo de que o grande problema que vemos na polícia nesses casos de violência é uma prática institucional, proveniente de uma demanda social doentia, fundada em um desejo fascista que não percebe a própria submissão. Trata-se de uma força policial sádica alimentada por uma sociedade sado-masoquista. Para terminar, coloco aqui mais um vídeo, esse com uma pontinha de esperança e comicidade que só a arte pode trazer...  
                                            



Ivan de Sampaio

[1] LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária (Manuscritos De Memes) 2ª ed. São Paulo/SP: Brasiliense, 1982. P. 32.
[2] Ibidem. P. 33.
[3] Ibidem. 

3 comentários:

  1. "Ser de Esquerda Hoje é Preferir a Desordem à Injustiça."
    (Bernard Henry-Lévi)

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  2. Parabens, pelo blog e pelas ideias, a sociedade precisa mesmo acordar para essas questoes importantes...

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  3. Este tema é de supra importância para todos que vivem sob a sombra nefasta da mídia cultural que dita os valores nesta sociedade corrompida, vivendo um capitalismo nefasto e avassalador...Estou denunciando aqui, que órgãos de governo e ferramentas do estado opressor utilizam estas mesmas táticas para coibir, punir, controlar, e se apropriar de situações e direitos dos cidadão, de forma que a sociedade esta totalmente alienada em costumes do cotidiano que modificam seus valores, desgraçando a família. As estrategias usadas, são para garantir posse, marcar território, impor uma ordem injusta, o famoso cala boca, usado pela Policia Militar de SP, nas escolas publicas pelos diretores, e no sistema único de saúde, através de empresas terceirizadas que prestam um ínfimo serviço a população...Os órgãos públicos usam desta mesma estrategia para não cumprir com suas obrigações publicas, desrespeitando o cidadão a tal ponto que o leva a uma catarse emocional e psicológica onde o leva a sentir-se menorizado, fragilizado e emocionalmente enfraquecido. Precisamos urgentemente, nos alertar e unirmos a fim de combater esses criminosos que usam a égide e mascaras da lei, estado e governo para provocar desgraças e destruição. Cuidado !!! Não confiem em nenhum agente publico adentrar em sua casa, trabalho ou convívio social, não permita que se comuniquem com seus familiares ou amigos, pois vão tentar a todo custo, persuadir, desestabilizar, buscando colocar intriga e fomentar distúrbios e paixões, provocando a desunião, duvidas e covardemente estarão, buscando se aproveitar da situação, instigando o desrespeito, o descumprimento de leis, e o favorecimento de atos ilícitos, sempre se passando por ajudadores, defensores ou pessoas bem intencionadas, que na verdade são lobos em pele de cordeiro, que cobiçam o que lhe e permitido ter, viver e ser. Vão usar de força física, alegar situações, não existentes, vão criar outras situações para favorecer suas investidas e tentar a todo custo lhe coibir de buscar ajuda, usando ate familiares, amigos e próximos a ficarem contra você, ou dissimulando ideias, de que você esta errado, e culpado, ou esta a margem da sociedade. Estes agentes nefastos, usam de um determinado poder outorgado pela sociedade aos órgãos de governo e estado para descumprir suas obrigações, prevaricando com vontades e desejos sobre a vida alheira, com um único interesse, uso e descarte, domínio e poder,,,Criam meios de ludibriar e encantar as mentes incautas fantasiando situações, afim de conquistar a lealdade dos seus escravos subordinados, sejam eles. econômicos, , políticos e sexuais, homens, mulheres e crianças.Vão tentar a todo custo corromper sues valores, comprando com fantasias sociais sua autodeterminação, invadindo e tomando posse de sua força, auto estima e racionalidade, por fim vão destruir seu antigo carácter, moldando um novo, enviesado em um senso comum, de consumo capitalista, focado em ter e não ser, em sexo sem compromisso e prostituição, banalidade cultural, precondicionamento em querer sempre mais conquistando o que não lhe e direito, comportamento vulgar e furtivo, anti família, formando uma rede de parceiros e colaboradores, econômicos, sexuais e de interesse, onde os dominantes são sempre submetidos a todas as suas vontades e desejos... Isto parece ficção, mas e muito real, cuidado pois aconteceu em minha família, e esta acontecendo em outro lugar agora...Se unam, lutem contra, se fortifiquem e não se submetam !!!
    Questione tudo, não se convença de nada, e investigue e busque na constituição do pais, seus direitos, alienativos, e os tenha como principio de vida cidadã, exercendo-os e não aceitando nenhum tipo de corrupção ou alienação !!! Juntos, unidos em família, somos fortes, e o sistema e mais difícil de persuadir seus membros, porem separados em crise ou desordem e muito mais fácil dominar, conquistar e destituir!!! Cuidado ... Cuidado... Cuidado !!!

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