segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Les premières impressions de “La Ville-Lumière”


Vue de la Cathédale de Notre-Dame 

            Chegar a Paris por seu imponente e organizado aeroporto de Orly, bem como o rápido controle de imigração, que apenas carimba os passaportes sem formular qualquer pergunta ao estilo estadunidense, é mais que suficiente para causar uma excelente primeira impressão do país de Robespierre.

            Por outro lado, o trajeto do aeroporto para o centro de Paris já causa um impacto diferente em quem o percorre pala primeira vez. O trânsito presente em qualquer hora do dia, a “pobreza” na periferia da cidade, bem como um número incrível de pequenos reparos em tudo que se possa imaginar, (calçadas, bueiros, pavimento, etc.) já mostra que as luzes de Paris não são a única face da cidade, mas apenas uma delas.
            Ainda assim, é difícil não se deixar encantar pela cidade. Além da beleza misturada ao peso de sua história, é surpreendente observar o seu funcionamento preciso. Tomemos como exemplo o metrô de Paris; uma rede que cobre cada canto da cidade.
            A funcionalidade do sistema metroviário parisiense é realmente surpreendente. Trens com pontualidade britânica, sempre cheios. Veja, neste caso, o fato de o metrô ser cheio só demonstra sua funcionalidade. Trens cheios significam sistema bem utilizado e circulação de pessoas; é preciso diferenciar isso do que acontece, por exemplo, em São Paulo na estação da Sé às 18h30min. Em São Paulo, o metrô não é bem utilizado, em verdade, lá o metrô não é “cheio”, ele entra em colapso pela falta de capacidade. Em Paris os trens são cheios, mas é incomum ter que esperar o próximo trem por lotação excedida. Nas vezes em que isso acontece, o próximo trem nunca leva mais do que os 2 ou 3 minutos anunciados nos letreiros da estação.
            A verdade é que a distribuição das estações de metrô a cada poucos quarteirões em Paris mostra uma cidade que conseguiu se construir para além do automóvel. Agora, ainda sobre as diferenças com o metrô de São Paulo, o metrô parisiense é bastante rústico, em alguns lugares estragado, desgastado, velho e até sujo. Essa diferença ressalta algo maior que a qualidade do acabamento das estações de metrô em Paris e em São Paulo.
            Em Paris, a preocupação é pelo funcionamento do sistema de mobilidade da cidade, ele tem de ser funcional, mais do que belo. Em São Paulo o metrô é o retrato da idéia de “higiene” pública, onde tudo deve ser “limpo” ainda que isso seja feito em detrimento do sistema em si. A verdade é que caminhar pelos corredores da estação parisiense, a princípio causa uma impressão ruim para um paulista, mas em pouco tempo se percebe que o metrô não precisa tem limpeza hospitalar ou acabamento impecável. Aliás, para um sistema de transporte de massas sustentável é melhor que seja rústico, pois a manutenção de estações como as paulistas, finda por tornar mais oneroso o sistema como um todo.
Bande dans le métro à Paris (Gare République)
            Essa gestão dos metrôs em São Paulo, que se pauta pela curiosa teoria americana “the broken windows theory”, finda por coibir que o metrô e suas estações sejam realmente local de diversidade como se espera de um local público. Podemos tomar como exemplo a música nos corredores das estações parisienses. Obviamente que a figura do violinista tocando no metrô também está mais ou menos presente em São Paulo[1], mas em Paris não se trata apenas disso. É bastante comum vermos toda uma banda[2] montada nas estações de metrô, até mesmo um conjunto de música cubana com uma dezena de integrantes já pude ver reunido na pequena estação de Ourcq[3]. Isso em São Paulo certamente seria tratado como caso de polícia. Em Paris essas formas de gestão higienista e semi-nazista dos espaços públicos parece enfrentar grande resistência da população. A verdade é que não passa pela cabeça dos franceses que aquele espaço não possa ser utilizado de outras formas. Por fim, em Paris parece que não se costuma fazer a estranha associação que se faz em São Paulo de liberdades públicas com caos público. Os mais de 10 músicos cubanos tocando juntos e de certa forma bloqueando parte do corredor não são vistos como uma forma de desordem pública. Os espaços públicos de Paris podem servir para além de suas funções principais sem que isso seja visto como desordem.                                     
            Tudo isso se reflete nos preços e na forma de pagamento para utilização do metrô. Por um bilhete individual, o metrô parisiense é mais caro que o paulista. Em compensação ele é muito mais barato se pago, por exemplo, por semana. O mais interessante é que é possível pagar o metrô de forma a viajar por toda cidade de maneira ilimitada (por semana, por mês ou mesmo por ano). Isso possibilita que o metrô seja muito mais utilizado por cada pessoa. Se você paga para utilizar a vontade é possível pegar o metrô não só para ir ao trabalho todos os dias. Isso é valorizar a circulação para outros fins que não apenas conduzir ao trabalho.
            Por fim, é comum ouvirmos de alguns Brasileiros que vieram a Paris o seguinte comentário em tom depreciativamente racista: “há muitos negros em Paris”. Bem, é verdade há realmente muitos imigrantes e descendentes de imigrantes do continente africano e parte significativa deles são negros. Agora, em Paris não há mais negros que em São Paulo, ao contrário, há menos. Esse comentário, em verdade revela outra coisa. Ele mostra que esse turista Brasileiro vê mais negros em Paris que em sua cidade de origem. Ora, isso por que, por mais que na cidade-luz haja muita exclusão, xenofobia e preconceito racista, se comparado ao Brasil esses defeitos ganham dimensão diminuta. Por mais que os afro-descendentes ocupem em Paris os empregos menos desejados (da mesma forma que em São Paulo) a exclusão social dessas pessoas em Paris não as rebaixou ao ponto da invisibilidade completa.
            Mas bem, para além da circulação no subsolo da cidade é preciso veremos a superfície. Parece que em cada quarteirão há uma construção monumental. Mencionarei especialmente duas delas que no fundo são muito semelhantes. Refiro-me ao Arc de Triomphe e ao Panthéon.      
Arc de Triomphe vu de la place Charles de Gaulle
            Bem, para quem não conhece, o Arc de Triomphe é um monumento que fica no início da Avenue des Champs Elysees. Ele abriga os escudos das principais vitórias do exército francês, bem como o Tombe du Soldat Inconnu. O conjunto de vitórias eternizadas pelos escudos dourados no chão, em baixo do arco, revela uma dicotomia nos feitos do exercito francês. Basta observar que, ao lado do escudo que glorifica os mortos na resistência francesa contra a invasão nazista, se encontra o escudo que honra os franceses que morreram nas guerras da década de 50 no norte da áfrica. Duas lutas, uma pela libertação e outra pela dominação. Poderíamos distribuir todos os escudos dourados do arco nessas duas categorias. No fundo, o que a visita a esse monumento revela é que toda grandiosidade que vemos do topo do Arc de Triomphe irradia dessa dicotomia entre se libertar e dominar; dicotomia essa que por vezes parece perturbadoramente complementar.
Panthéon
            Já o Panthéon é uma construção de porte muito maior. O monumento já foi alvo de grande disputa para determinar sua vocação. Construído inicialmente como monumento religioso em glória de Sainte Geneviève (Padroeira de Paris), hoje o Panthéon é uma espécie de cripta pública para franceses ilustres. Estão enterrados lá uma quantidade enorme de pessoas, mas entre os mais conhecidos estão: Victor Hugo, Émile Zola, Jean-Jaques Rousseau, Voltaire, Jean Jaurès, Perre e Marie Curie ...
            No andar térreo do Panthéon o que mais chama atenção é o enorme pendulo colocado em baixo da principal cúpula do prédio, la pendulede Foucault. O pendulo é um experimento de Jean Bernard Léon Foucault que comprova a movimentação da terra. Colocar esse experimento no centro do Panthéon é sem dúvida um símbolo do avanço da ciência nos espaços anteriormente pertencentes à religião. A cúpula onde o pêndulo encontra-se é suportada por 4 colunas. Também não é por acaso que na base de cada uma dessas colunas encontre-se uma estátua em homenagem da revolução francesa e a pensadores do iluminismo que inspiraram ou fizeram a revolução como Diderot e Rousseau. Não quero comentar aqui o aparente culto francês à revolução, mas o que esse conjunto de estátuas denota é exatamente a vitória da revolução enquanto transformação no pensamento, que passa a irradiar sua luz para dentro dos espaços fechados da religião. É então o iluminismo que sustenta o pendule de Foucault dentro da construção que, em sua origem, deveria ser um tributo a Sainte Geneviève.   
Tombe de Voltaire
            Passando ao subsolo do Panthéon, nos deparamos com uma cripta de teto baixo e com iluminação bem reduzida. É o local dos túmulos dos ilustres franceses. É aqui que a pretensão do Panthéon se revela de forma definitiva. Trata-se de um prédio dedicado a pretensão Francesa de ao sepultar homens produzir deuses. Por outro lado, parece igualmente revelador que toda a exaltação das luzes da revolução culmine por sepultá-las na escuridão de uma cripta que lembra o medievo.
            O que vemos então é uma Paris construída de forma extremamente funcional, mas sem o surto higienista estadunidense. Trata-se de uma cidade produto de uma dicotomia complementar entre a libertação e a conquista. Ao mesmo tempo se ergue do túmulo escuro de seus deuses as luzes de um Panthéon. É uma cidade que se funda na materialização da divisão entre luz e sombra.
            É preciso, entretanto não se deixar deslumbrar, pois a pretensão das luzes são sempre totais. Vou deixar então o tema do Espace Dalí em Montmartre para uma próxima postagem. Mas apenas adianto que depois de dias de luz foi preciso procurar o lugar onde os raios se retorcem um pouco para evitar a cegueira branca, que, por se pretender sã e verdadeira, pode ser pior que a negra.



Ivan de Sampaio 


[1] Não sei se a política repressora aos artistas de rua em São Paulo já chegou também nesses músicos.
[2] Isso sempre feito de forma autônoma pelos músicos que sempre colocam sua caixinha para quem quiser contribuir ou vendem seus CDs depois das apresentações que não precisam de autorização do poder público. O Estado se limita a não reprimir os músicos.   
[3] Estação da linha 5 (laranja) de Paris. 

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